De repente.
(Em entrevista exclusiva, Silvia
fala sobre os anos 10, gentrificação e outros assuntos recorrentes de forma
desordenada.)
Repórter: Silvia... Comente esta declaração de 2009:
“A outsidermariginal quase terrorista que quer evidencia.
Silvia mora num porão, um dia ela vai sair anunciando a revolução
caminhando em um tapete vermelho e provavelmente cantando Somewhere Over The
Rainbow ou algum sucesso da filha de Judy Garland. Pobre Silvia, a pseudomártir
das causas modernas perdidas e que agora só quer um resto de glamour e deixar o
recinto com alguma dignidade.”
S: Já perdi a dignidade faz tempo.
Faço desuso dela pra sobreviver. Vou adentrar o recinto mesmo que sem nenhuma.
De cinturão e tudo. Mulher bomba purpurina, porque esse ano eu não morro! Há
uma diferença enorme entre kamikaze e crash test dummy. Sou a segunda opção. E
não que eu seja um boneco manipulável, sem opinião ou atitudes próprias. A fada
azul me deu vida! Veja bem eu nasci no meio do caminho. Mas estou bem. Já esta
provado o que só é possível no estrago que dá acelerar na frente, entrar em
choque com o tempo e voar na inércia dos acontecimentos. Amanhã to aí. Segura essa marimba.
Repórter: Quem são os outsiders?
S: Acho que talvez fosse Silvia e o lumpen proletariado, Silvia e os B, Silvia e os Marginais, Silvia e as Garotas que erraram. Silvia e o Cangaço, Silvia e os Trapalhões nas minas do rei Salomão. Faz tanto tempo... não me lembro.
Repórter: Onde está Bee?
S: Bee esta na selva. Isso eu posso
te garantir. E Bee tá certa. Ela devia ir mesmo pra Selva.
Repórter: E você?
S: Essa esquina gentrificada que é o
microclima de nosso mundo é pouco pra Silvia. Ela esta nos muros nos postes nos
viadutos no metrô no galpão 4 da funarte no Iphan no olho esquerdo do Acaiaca esquerdo do edifício Acaiaca (mais conhecido como botocudo art decó) nos
cordéis nos bueiros nas calçadas na selva na cordilheria no mar no sertão no
lambe lambe silvia vende poema xerocado no bar ela está na portas dos
banheiros, nos mictórios públicos eu sei que são poucos mas ela esta lá. Silvia
não morreu. Ela pulsa em algum lugar ela só aguarda a chegada das armas. Que
provavelmente chegarão amanhã.
Silvia estará de volta em breve.
Reivindicar seu posto. Esse cinturão é meu! Não vou bater em ninguém pra ter
ele de volta. Ele é meu e ponto. Eu que inventei mesmo. Inventei pra não
competir com nenhum canalha, pra não ter que bater em nenhum camarada. Sejam
originais o suficiente pra plagiar. Criando a própria história, obviamente. Minha
doença de século XX não vai deixar hipster nenhum absorver minha energia! Pode
ganhar seus louros! Como louro não me interessa, fico com a vida. A minha vida.
Cada um sabe a dor e a delicia e cê sabe como é... só queria dizer isso Baby.
Repórter: Qual é a sua doença?
S: Não sou eu que darei nome às minha doenças... Provavelmente será você.
Repórter: Mais alguma declaração?
S: Eu sou a vanguarda do cerrado. E
depois dizem que não é verdade que tem gente que recolhe nossos cacos, dá cor,
dá beleza e canta. Eu cuspo, nos cuspimos. Alguém recolhe e canta. E VENDE!
Nunca quis ser ninguém além d’eu mesma. Tudo bem. Vai lá, spia só. Os cacos
reconfigurados! Olha só que beleza pós entressafra essa chuva de novos
confetes! Novos baianos te podem curtir numa boa?
Eu comecei tudo e ainda não
terminei. Tá longe de terminar. Pode vir que tem mais.
Repórter: O que é que tem mais?
S: O tempo tá estranho. O tempo tá
urgente. Tudo tão urgente que a gente mal sai do lugar.
O novo capitalista é um
lumberjack de barba perfumada. Tudo da cor conforme a cor de novas cinco ou
seis cartilhas que nem são tão novas assim. Ama teu vizinho como a ti mesmo,
mesmo que ele seja um grilo na comunidade, é isso mesmo Silvio? Tá rolando amor?
Repórter: Há quantos anos você está desaparecida?
S: Silvia desapareceu há cinco anos.
Soltando uma cusparada aqui e ali. Mas estava escondida... até a chegada das
armas! E parece que elas estão chegando mesmo. Amanhã. Creio eu.
Então ela vai voltar de
metralhadora, granada espelhada y tacones lejanos. Vamos ver o que acontece.
Era 2010 e ela chorava... um
desencontro, talvez? Agora pode ser que haja encontro quizas. Ela se acostumou
na solidão e está custando a querer sair. Ela sairá no dia das armas. Que
discurso vai proclamar? Que fuzil vai carregar, que canção ela vai cantar?
Repórter: Esse fuzil é...
S: Metafórico.
Repórter: ... Não sei.
S: Os anos 10 chegaram como a onda
prevista por Chico Xavier em dia de boi da manta. Será que ela não esperava?
Ela vai preferir desafinar o coro desde o bueiro, do porão, do buraco, ela vai
sair? Esse coro é bonito... Tem muita voz valendo a pena. Ninguém vai me
chamar? Não precisam mais de mim? E quem disse que sou “precisa”? Minha gloria
está no desajuste e na imprecisão dos meus humores! Eu não preciso ser chamada,
eu aconteço! Ela vai parar de doer? Aparece uma maneira menos magoada e irônica de desvelar e de desnudar o que há séculos é
ruim. Ela vai viver nas sombras desse novo tempo? Ela
vai viver esse tempo novo? Porque mesmo ela doía?
Repórter: ... Não sei.
S: Como ainda fode essa porra de século XX, tanta
herança mal resolvida.
Repórter: Os inimigos são os mesmos.
S: E qual é a boa?
Repórter: E qual é a boa?
S: E qual é a boa?
Repórter: Silvia, você vai viver este tempo novo?
(a reportagem foi interrompida
aqui, Silvia desapareceu... E essa repórter virou uma mula sem cabeça e sumiu
no mato).