comunista desejosa de glamour hollywoodiano. anarquista com apego material a coisas emocionais. plagiadora que exige direitos autorais



quarta-feira, 9 de junho de 2010

Gloria por Silvia

Gloria (Patti Smith)

Prólogo

Falo na língua de um simplório experiente que obviamente não passa de uma Pollyana pomba de Woodstock histero-histriônica que chora excessivamente.
Isso se passa num bar dentro da minha cabeça e, plagiando Leminski, uma grama depois, porque sem isso eu não sou articulada e estaria chorando. E só.
Meus amigos:
Não. Meu corpo não é o mesmo. E minha buceta fala. Não que ela seja minha cabeça de baixo, como é costume se dizer do sexo oposto. Mas ela fala. E é mal resolvida. E aí? Arre com todos os bem resolvidos de perto de mim. (arre: do Ár. arrih, grito para estimular os camelos. interj.,expressão para incitar as bestas a caminhar.)
Visto a camisa. Não tenho escolha.
Sabe Chaplin? Tempos Modernos: ele pega uma bandeira vermelha que caiu de um caminhão no chão. Acena com a mesma para o caminhão. Acena. Acena. Surge por de trás dele uma imensa passeata com cartazes com dizeres como “strike” e etc. Carlitos é preso como líder comunista. Isso é dar bandeira, Bee... Isso é dar bandeira.
Silvia.
Capítulo Zero
Onde estará Sylvia Von Harden ?

Capítulo hum

De cima de um banquinho, Silvia alcança uma pequena janela com grades, a única do cômodo onde vive. Ali existem paredes escritas, um colchão, um amplificador com microfone. Ela grita para fora.
Vai te fudê! Você é uma bicha de merda!
Você não sabe meu lado ocidental. Eu sou uma besta! Soy una esponja! Sorbo la idiossincrasia del mundo y el tabaco!

Capítulo Dois
Sentada em cima do amplificador, com o microfone na mão. Silvia canta! E simula vaias.

Silvia é marginal
(uuuuuuuuuuu)
Silvia é old school
(uuuuuuuuuuu)
Silvia é a vanguarda de fraldas
(uuuuuuuuuuu)
Não votem Silvia
(uuuuuuuuuuuu)
Seja Silvia, seja herói
(uuuuuuuuuuuu)
Silvia é outsider
(uuuuuuuuuuuu)


Capitulo Três

Silvia escreve para Bee . Na parede de seu cômodo.

Navontadedeaçambarcaromundocomaspernaseacabarporrecriálonascoxas! No fim de tudo, ainda: I wanna be a rock star. E o que uma garota pobre como eu pode fazer senão tocar numa banda de rock? Eu me tornei atriz por que era dispersa demais pra tocar violão.
Mesmo porque o violão não pode aparecer mais que o meu belo quadril.
Rebolo. Please to meet you.
Aqui é Silvia, Bee. Te cuida.


Capítulo Quatro

Aqui quem fala é Silvia, Bee. As armas chegarão amanhã, sem falta. Ninguém vai me impedir de cantar “Dont Smoke in Bed”, deitada num piano de cauda.

A repetição faz este sapo pular. Não tomo remédios. Serotonina TRABALHA COMO QUER por aqui. Anarquia geral. Não existe linha de montagem na minha cabeça!

Capítulo Cinco

Silvia plagia cantores da MPB, recita Marlon Brando, canta o hino da Internacional no chuveiro, copia conversas de telenovela e desenho animado...
Silvia! Como você é démodé! Se dê o mínimo de autenticidade nesse mundo. Mundo besta meu Deus! Sem um mísero conhaque pra te comover. Convenhamos, você tem que descobrir algo novo pra falar. Sem conhaque.

Silvia grita pela grade da janela:

Absolutamente moderno!
Absolutamente burguês!
Absolutamente descontextualizado!
Absolutamente incoerente!
“É PRECISO SER ABSOLUTAMENTE MODERNO”.

Ironia parafraseando Rimbaud a essa altura do campeonato...
The Dream is over What can I say.
A outsidermarginal quase terrorista quer evidência. Ela quer evidência. Ela quer ser John Lennon. Uma espécie de diva comprometida com causas coletivas. Liza Minelli de esquerda. Ainda quer autoria em tempos de Luther Blisset.

Silvia mora num porão, um dia ela vai sair anunciando a revolução caminhando em um tapete vermelho e provavelmente cantando Somewhere Over The Rainbow ou algum sucesso da filha de Judy Garland. Pobre Silvia, a pseudomártir das causas modernas perdidas e que agora só quer um resto de glamour e deixar o recinto com alguma dignidade.

Capítulo Seis

Cara Bee
Aqui quem fala é Silvia. Acho que vou sair. Prepara o tapete. Cansei de ser Van Gogh pra te chamar de Teo...

Capítulo Sete

Silvia saiu. Ladies and gentleman... Silvia acaba de deixar o recinto.

Capítulo Oito

Bee canta: I´m waiting for a word of love from Syilvia... (Elvis Presley)

Capítulo Revolution number 9, number 9, number 9 number 9…. (Beatles)

Noite anterior: 100 reais de cocaína pra ela e Bee. Bicha rica de excessos você! Vai entender. É sempre tão difícil, na virada da noite pro dia. Essa cocaína suja que dá um pânico de morte, uma triteza de fim de mundo. Que crueldade deixá-la sozinha depois de 100 conto de pó. Mas ela nunca deixa ele ficar. Manda ele ir embora porque não quer que ele a veja naquele estado, que ele conhecia tão bem. O momento de cobrar do Brasil ou de não sei quem a oportunidade de ser o que nunca deixaram. O momento da esponja expurgar todo o chorume dos tempos passados.

E ela grita. E xinga ele! Vai te fudê! Bicha de merda... Você não sabe meu lado ocidental. Eu sou uma besta! Soy una esponja! Sorbo la idiossincrasia del mundo y el tabaco!

Bee vai embora assoviando. Sabe que ela odeia assovios. Mas esquece. Ou não. Vai saber.
Vai entender esse amor, essa dependência sádica que Bee tem por Sílvia. Onde estará Silvia, ele procura... E só encontra a esponja.

Slivia rememora vaias.
Silvia é marginal
(uuuuuuuuuuu)
Silvia é old school
(uuuuuuuuuuu)
Silvia é a vanguarda de fraldas
(uuuuuuuuuuu)
Não votem Silvia
(uuuuuuuuuuuu)
Seja Silvia, seja herói
(uuuuuuuuuuuu)
Silvia é outsider
(uuuuuuuuuuuu).

Silvia saiu atrás de Bee. Tinha blocos na rua. Tinha gente na praia. A praia feita de concreto, em frente à estação de metrô. Máscaras de gatinho (aquelas feitas com fronha de travesseiro) homens com peitinho de limão. Carmens Mirandas dignas de pesadelo e sem prestobarba. Lá estava Bee. Próximo ao pirulito da Praça Sete.
A banda tocava repetidas vezes “Eivocêaímedáumdinheiroaímedaumdinheiroaí”.
“O capeta vai estar hoje no bloco e vai matar vinte crianças!”, as doninhas falavam... O médium falou que hoje virá uma onda por trás da serra que cobrirá a cidade!”. Quantos caiaques na rua. Canoas. Lanchas estacionadas rente aos muros altos da casa do prefeito e do deputado Dr. Aureliano.
Um belo dia ele apareceu de verdade, o capeta. Vestia uma capa e um chapéu. Dançava cambaleante na rua, com uma garrafa na mão, não cantava Robert Johnson, cantava Nelson Gonçalves: Hojenãoexistenadamaisentrenós. Deixou o chapéu cair. Foi aí que todo mundo viu os chifres! Silvia escuta esta história desde pequena.
As velhinhas começam a rezar. Aquele dia, não sabia se era carnaval ou dia da padroeira da cidade. Nossa Senhora da Boa Viagem... Bad Trip! Isso sim. Merda de pó sujo! Procissão lado a lado com o bloco de carnaval e pessoas de biquíni na praia da estação. Bee não se aproximava. Vamos trepar! Quero trepar já que tudo acabou. Saí no dia do juízo sem saber. Fiquei tempo demais hibernando. Underground de Kusturica, lembra? Claro que não. Você não vê filme europeu, muito menos europeu oriental. Y yo soy mala como película tcheca. (Liliana Felipe, peguei emprestado, aquela do “Las Histéricas somos lo máximo”. Aquele CD que você detesta. Feminista demais. Pra uma bee entediada como você.) Um abraço pelo menos. Quanto tempo, amigo... Um abraço. Foda-se. Você vai ficar aí me olhando de longe, me vendo relacionar com o mundo de novo. Foi você que providenciou tudo isso? Essa loucura toda?
Aestreladalvanocéudisponta! Mudaram de música. E de repente Silvia se vê no meio do bloco. Olha pra cima como se pudesse se ver lá no meio, se olhava no meio da multidão. Voltou a procurar Bee. Bee tinha sumido.
Começou a fugir. Michael Corleone fugindo em plena revolução cubana em meio a vivas a Fidel... Pensa: You broke my heart, Bee...
Onde estará Bee? Sumiu! Covarde! Me abandona!
E foi levada junto com o bloco. Não conseguia mais ficar parada. E foi. Junto com meia dúzia de mascarados.

Capítulo 10
Silvia desapareceu.
Bee canta: I´m waiting for a word of love from Syliviahhhhhh!

quarta-feira, 2 de junho de 2010