comunista desejosa de glamour hollywoodiano. anarquista com apego material a coisas emocionais. plagiadora que exige direitos autorais



terça-feira, 18 de novembro de 2014

Carta de Amor para velhos amigos II

Eu tô gritando desde o meu quartinho. Eu tô procurando no meu quartinho o botão debaixo da cama. Perdi o botão...
Perdi.
Eu tô gritando desde o meu quartinho uma vontade de ver você, e você, e você, e você.
E nós. Nós duas.
O botão se perdeu estafado de algum passado, de algum recente terremoto que tive que segurar durante a maior parte do tempo sozinha.
Sumiu.
Alguém viu? Só me dei conta hoje. E só hoje me deu vontade de chorar.
Não choro há tanto tempo. Eu estou aqui chorando sem o meu botão!
Que merda, hein?
E cadê vocês? Não me abandonem nessa tarde de domingo!
Eu peço todas as desculpas necessárias. Ou não peço porra nenhuma.
Fui uma amiga ruim? Ou fui uma amiga desinteressante?
Se fui desinteressante, aí não tem desculpa. Dou razão a vocês. Podem sumir. Podem desaparecer. O negócio é que perdi o botão. Tá perdido no meio de concessões e resto de mágoa que já passou da hora de virar brisa. Fumaça. Banho de descarrego. Ralo.

Então vou fazer o seguinte, vou achar o botão e play.  Let´s play that.

Vou chorar e voltar pra vocês.

segunda-feira, 17 de novembro de 2014

Cartas da Mãe [1]

São Paulo, 26 de dezembro de 1979.

Mãe,
Eu fui bom este ano, mãe. Eu acho que fui muito bom. Eu fui solidário como todos os meus irmãos Betinhos. Fiz greve como todos os Lulas. Quebrei Belo Horizonte como todos os peões. Voltei pro país que me expulsou como todos os Juliões. Dei murro em ponta de faca como todos os Marighellas. Cantei as prostitutas, as mulheres de Atenas e joguei pedra na Geni como todos os Chicos Buarques. Aspirei cola como todos os pixotes. Fui negro, homossexual, fui mulher. Fui Herzog, Santo Dias e Lyda Monteiro.
Fui então muito bom este ano, mãe. Aqui está minha carta sapato. Vou fechar os olhos, vou dormir depressa. Esperando que meia-noite todos entrem pela minha janela. Me façam chorar de alegria, que eu quero viver!
A bênção, 
Henfil
Belo Horizonte, 12 de agosto de 2014.

Mãe[1],
Tô escrevendo o texto do espetáculo novo e resolvi escrever uma carta pra você. A peça fala de Brasil. Brasil república. Acontecimentos políticos marcantes. Hoje cedo tava pesquisando coisas do Henfil, e me deparei com as cartas que ele escrevia pra mãe dele na Isto é. Achei bonita a coincidência quis escrever pra você.
Escrevo pra você. Como uma carta para a mãe que me ajudou desenhar a minha utopia dentro do teatro.
Parece que tô tendo que reinventar meu jeito de escrever, para que as pessoas queiram parar pra me ouvir.
A gente sempre acha que tá fazendo algo novo, que descobriu a roda, quando na verdade tudo é tão velho que imagino olhares cansados de gente que já viu de muito a tudo olhando pra mim. E quem tem cinco anos e não viu nada ainda?
Mãe, o que vô diria dos tempos atuais? O que Drummond escreveria? Mãe me dá a mão? Mãe, o que você acha da polícia? Mãe, cê me desculpa eu sumir vez em quando?
Sara, o que é que tem de clássico nisso tudo? Quando John morreu chorava-se por quem? Por ele ou pelo sentimento de um Belchior que diz que a velhice nos faz voltar ao padrão de nossos próprios pais? Por que a esquerda envelhece e fica branda e a direita se mantem nos mesmos moldes imperiais de quem sempre comeu o pão de alguém? Que copo de cólera enraivece quem pensa demais e enraivece quem não pensa porra nenhuma?
Em Sobre Dinossauros, Galinhas e Dragões eu clamava por uma “historinha nova”, perguntava “que bandeira eu dou, que camisa eu visto que refrão eu decoro?”... Eu sei que há historinha nova, eu sei que bandeira dar e que camisa vestir. Mas por que eu tô tão desamparada, perdida e sem cojones? Por que me sinto só?
Pai, você me ajuda no dever de casa?
Henfil escrevia pra mãe nos anos setenta, do meio para o fim da ditadura. Eu te escrevo dos anos dez do meio para o fim do capitalismo? Do início pro meio do renascimento de pensamentos reacionários zumbis? Cambuta de fedapada!
Escrevo-te dos anos dez com muita saudade.
Te amo.
Marina

Resposta Sara:
No importa si es nuevo o viejo lo que se dice… lo que importa es que salga de dentro y no sea  un ropaje… tampoco importa volver a ser tus padres si ellos fueron capaces de instalarse en su tiempo de forma intensa o de seguir siendo honestos hoy con lo que creen…  Tampoco importa  que la izquierda (o lo que resta de ella) sea blanda. Lo que importa es que a veces se  haga algo que le sirva a alguien…
Marina no estás sola... aunque no esté en este proceso contigo físicamente... lo estoy como lo están tus padres y todos los que dejamos alguna huella en ti.
Sara





[1] Escrevi, inspirada nas “Cartas da Mãe”, do Henfil, uma carta para minha mãe, para o meu pai e outra pra Sara Rojo, minha quase mãe, diretora e parceira do Mayombe. A Sarita respondeu e acima tem um fragmento da sua resposta. Meus pais responderão. Tenho certeza que sim.