NA GELÉIA GERAL BRASILEIRA QUE O
MIMEÓGRAFO brinca de ANUNCIAR, O QUE ESTÁ NA PRAÇA O QUE ESTÁ NA PRENSA, O QUE
ESTÁ NA SALA DE CASA, NA GARAGEM, PRONTO PRA SAIR E DEIXAR DE SER PROMESSA.
Eu sempre gostei da “historinha”.
Por que a gente monta uma banda com os colegas na garagem de casa? Historinha.
Grupo de teatro? Historinha. Namoro? Historinha. República, ménage à trois,
foto no muro, casamento na Igreja de uma filha de ex-hippies, poema
compartilhado, cover de Ro Ro... (aliás,
que verve falta na voz daqueles rapazes? Como eu queria um Marcelo todo Veronez
ali.) Historinha.
Você topa? E se der errado? A gente mantém o
contato visual? Quem vai primeiro? A gente vai junto. Um de
cada vez. Todo mundo junto. É pra durar? E se sambássemos na cara de todo mundo? E a nossa cara?
Quer namorar conosco? Nossa cara aguenta? Tá brincando? Isso não existe. A cara
sambada? Nosso primeiro single? Da pra curar depois? Me cura? Te curo? Me
cuida. Te cuido. Como é que faz?
Sempre gostei de historinha. Uma
vez sentada com Marina- Byron-Lipe- Marcelo no Bolão, Marina teve uma discussão
com Byron sobre João Gilberto e MC Catra. E eu achei lindo e divertido. Passou
um carro tocando funk, e Byron soltou um “queria ter um carro com som pra
colocar João Gilberto bem alto” e Marina disse: Byron! Vai tomar no cu! Eu sou
mc catra e ponto! A discussão rendeu mais que isso, mas por trás disso tudo tá
a historinha, tá o discurso. Marina não escuta MC Catra, mas por que todo mundo
tem que escutar João Gilberto? E é só isso que tá por trás dessa discussão? A
gente, tão debochado, a gente ainda preso e apaixonado pelo passado e pelos
antepassados, a gente que de tão mal passado ainda sangra, até que ponto isso é
só sobre musica? Ainda desconfio. Ainda
quero mais.
Nesse mesmo dia, após a discussão
eu soltei um “eu gosto mesmo é da historinha”, me referindo a cantores,
cantoras, bandas, seus passados, suas mortes, seus amores, suas tentativas,
body drama, Elis chorando enquanto canta, ou Elvis errando a letra, muito suado
e muito gordo, Caetano improvisando um discurso sobre a juventude que diz que
quer tomar o poder. (Alex, Beto e Zé ensaiando musicas na sala de casa sábado
passado. Eis que nasce pra mim Glorios Tarcísios.)
Mas quando eu disse isso, Marcelo
me arregalou os olhos e disse: “que isso, o que eu gosto mesmo é da musica!”,
deve ter ficado muito decepcionado comigo naquele momento. Mas acho que eu não
consegui me explicar, hoje eu acho que ele entende o que eu queria dizer. Mas
discussões etílicas não são articuladas, são exclamações, manifestos que se
perdem, ou perdem verdade ou vontade quando estamos lúcidos no dia seguinte. É
cheio de: Nunca! Jamais! Agora! E não tem quizas, quizas, quizas. Por que senão
de que vale ficar bêbado se a gente não pode ficar imperativo e convencido,
falar merda sem superego... A vida trata de relativizar tudo depois. Tô falando
demais. Já ultrapassei meus caracteres e nem comecei ainda.
Cheguei em casa sábado passado,
eram umas nove e meia. Abri um conhaque, peguei meu caderninho e fiquei
escrevendo enquanto os meninos, os Glorios Tarcísios ensaiavam.
De repente me pego emocionada,
comovida como o diabo, seja pelo conhaque ou pelo que estava ao meu redor, (sou
uma pomba e nunca neguei), Glorios
Tarcísios é e será banda com verve!(sempre quis usar verve em uma crítica, ou escrever uma crítica para usar a palavra verve) Com vontade de historinha. Uma ironia 80, diferente da ironia adquirida
das novas gerações, que às vezes nem funciona. A ironia dos Glórios desdenha o
próprio amor, mas ele tá lá, pulsando, quanto maior o sarcasmo maior a fé.
Ironia fake é covardia! Citando o grande escritor Eder Rodrigues que perfuma
muito do que escrevo e faço em teatro, “Calvino esqueceu de explicar, que antes
de beber dos Clássicos é preciso no mínimo fazer umas embaixadinhas! Então cadê
a paixão?”
Rebordosa morreu, já enterraram a
porra louca. “Depois do muro a gente não quis mais droga.” Diria João e Ana Lee
pra mim, fazendo hora comigo nesse mesmo dia. E eu já tava falando alto demais.
Mas é que eu tava adorando tudo.
Enfim não sei nada de música. Sou
só amante, amadora. Minha Medéia ainda nem deu conta de matar os filhos.
Enquanto o carro do sol não chega, eu redescubro e reafirmo que uma banda na
nossa idade não é absurdo. É foda.
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