Meu cigarro nasceu da solidão. Meu
cigarro nasceu como companhia. Meu cigarro nasceu da avó do mundo de
cócoras a fumar durante a criação da Terra. Meu cigarro é herança de índio, que
passeou por Hollywood, Hunphrey Bogart Guarany esfumaçou o glamour de meus avós.
Meu cigarro nasceu do maço de cigarros do meu vô em cima da TV. Cinco cruzeiros
e o troco de bala. Meu cigarro nasceu deitada na rede desperdiçando insônia e
sangue olhando pro céu de fumaça. Meu cigarro nasceu da fumaça que encobre meu
pensamento de companhia cheia de herança. Meu cigarro é herança de índio que
chora na rede dentro da noite ocidental.
Minha noite ocidental é cheia de
cigarro. Meu cigarro é fruto de pecado de pulmão. Meu cigarro é oficina em
plena atividade de ociosidade no ocidente de não sei quando ou onde, meus amores... Meu cigarro é fruto
de se eu continuar assim minha ansiedade me mata aos quarenta. Meu cigarro tem
cara de comercial dos oitenta. Meus noventa começam com cigarro. E meu segundo
cigarro tem gosto de menta.
Meu cigarro agora e só agora tem
cheiro de Morrissey, mesmo sempre sido a cara do
Nelson, e com a garganta de Rorô sempre sendo Nair Belo. Meu cigarro dói de
fôlego, por 17 anos, alguns namoros, um casamento e uma dúzia de peças de
teatro. Meu cigarro grita nas minhas roupas, no meu cabelo e no nosso beijo.
Nosso casamento tem cigarro e se um dia não tiver, por favor, continue me
amando. Por favor, continue me beijando. Meu cigarro também tem algumas janelas
e meio fio como herança de melancolia sem libido de uma estrada de minas
pedregosa do caralho. Meu cigarro também é volver a los diecisiete violeta
violenta com la frente marchita de memória. Meu cigarro também não dói de
metafísica. Meu cigarro é o que de mais concreto da minha dor se acomodou como
catarro no meu peito.
Marina Viana
Fumante há 17 anos.
Fuma dois maços por dia.
Traga até charuto.
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