Belo Horizonte
Tem horas agora que eu quero te largar, te deixar pra trás,
te esquecer como nunca quis antes. Tem hora que eu quero cuspir nesse asfalto e
rasgar uma a uma minhas cartas de amor que te fiz e queimar num coreto
qualquer. Numa pracinha qualquer, numa esquininha qualquer, num butiquim
qualquer.
Tem horas que eu olho pra você e você me joga na cara todo o
meu sonho de coletivo, de grupo, de história, de teatro, de amor, de amizade,
de historinha nova, e me joga fora dentro de um bueiro sujo entupindo uma
Cristiano Machado inundada de carros, descaso, propagandas do Aécio, água e
BRT.
Tem horas que eu não sei o que fazer com esse trem. Esse
trem que de repente esvaziou. Meu coração precisa te esquecer pra voltar a te
amar.
Não sei se a bupropiona vai me fazer esquecer, vai me fazer
fumar menos, vai me fazer doer menos a vontade de depois que dói o externo e
deixa tudo nublado.
Cada dia guardo um olhar diferente pra você. E nesse momento
você só me dói. Só me dói.
Não ouso dizer que te odeio, mas eu te odeio.
Te odeio por toda madrugada que te caminhei, por toda boca
de lobo, por toda vontade que no fim dá sempre errado, todo mundo! Inclusive eu
mirando o próprio cu. Te odeio por todos os teatros fechados, por toda rua com
nome de índio, por toda esquina saudosista. Todas as
igrejas clubes, savassis, serras, JKs e Niemeyers, te odeio por toda mágoa que
eu herdei, por toda essa desconfiança de que alguém vai descobrir onde escondi a porra do queijo, e que o santo é de pau oco, que o progresso tá dentro desse contorno e
que a liberdade tá no ponto mais alto. Desse triste viaduto da Abraão Caram.
Desse mundinho. Mundinho, que me aprisionei. Te odeio cidade. Te odeio por
fazer isso comigo. Te odeio por me trancafiar aqui dentro, sem horizonte
horizonte horizonte horizonte.
Cidade eu não rolei no seu asfalto o suficiente, mas de que
adiantaria? Adiantaria? Você me amaria? Você não me ama. Você não me ama! Você
não me ama. Eu insulto o burguês. Ódio ao burguês! Ódio cidade.
Ninguém vai entender meu escarnio momentâneo pelo
curral. Foda-se. Eu grito do alto dos
piolhos entupida de cachaça e os militares não passarão. Eles não sabem o que
fazem mas também não sou cristo então eles que se fodam junto com o viaduto,
Fernando Sabino e Drummond. O meu nome não é Raimundo, tampouco me importa o
mundo nesse sábado de manhã. Hoje não tem carnaval, nem procissão. Mas todas as
janelas estão fechadas de luto.
Eu quero muito que isso passe, por que eu preciso te amar.
Mas hoje eu te odeio.
Do fundo do meu coração.
Eu tô chorando e já quero te pedir perdão. Mas hoje não.
Hoje nada de perdão. Nada. Não.
2 comentários:
Escrita densa. Poética cuspida com sutileza na observação. Gosto muito desse seu modo literário de escrever. Fala do difícil, tão facilmente e feroz.
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